Marco Aurélio Acioli Dantas
É duro constatar isso em nós mesmos,
mas é um fato: não aprendemos a ser nós mesmos. E um fato que tem razões
próprias, mas não impossíveis de serem detectadas; mas ainda assim a primeira coisa
necessária é reconhecer isso em nós mesmos.
Somos moldados desde crianças a atender
diversas exigências nos processos de socialização e educação no qual estamos
inseridos, sejam eles formais (como escolas, empregos, associações, etc.), ou
informais (na família, entre amigos, etc.). O pior mesmo é a maneira como essas
exigências chegam para nós, que na maioria das vezes caracteriza uma imposição.
E quando não é imposição, essa maneira de agir que nos é ensinada, não é
problematizada ou explicada de uma forma que possibilite a pessoa refletir
sobre o PORQUÊ, o COMO, e QUAL O SENTIDO da ação, que pertence à PESSOA que
EXECUTA, mas que satisfaz OUTRAS PESSOAS, ou até mesmo uma CULTURA DE IMPOSIÇÃO
DE TREJEITOS.
Dolorido pensar...mas necessário. Se a ação
me pertence e eu não sei o porquê de fazer, eu na verdade estou sendo
violentado. Imagine quantas coisas nós não fazemos no “automático”? Sem se
perguntar o que nos motiva, o sentido, como se formou esse desejo de ação, que
me pertence, mas que na verdade me escraviza? Imagine se depois de muitos e
muitos anos isso veio se repetindo, e só depois de 35 janeiros me dei conta?
Como algo que é meu, que corresponde ao meu CORPO, minha MENTE, minha REFLEXÃO,
pode ser extraído de mim desde a infância. E o pior, como algo que é
ESSENCIALMENTE HUMANO pode ter se voltado contra mim?
Não pretendo tornar isso tão descritivo,
mas vivemos numa sociedade que nos transformou em consumidores, e não se
iludam, apenas isso interessa para os que têm mais meios MATERIAIS de manipular
informações e influenciar maneiras de conceber o mundo. E o escandaloso é
presenciar grandes empresas que lucram milhões, como bancos e outras
multinacionais, lançando projetos “ambientais” e “sociais” com véus hipócritas,
que buscam não mudar a situação, mas abater impostos e cumprir com pautas
excludentes, pois eles fazem projetos que “dizem” incluir as próprias pessoas
que as grandes empresas excluem. O ponto negativo de todo esse processo é a
visão do mundo baseada no UTILITARISMO. São esses mesmos grupos que constroem e
veiculam padrões de como devemos agir diante de situações no nosso dia a dia, e
mais profundo ainda, como devemos pensar o nosso próprio corpo, nossa relação
com outras pessoas e nossa relação com a natureza. Padrões esses, na
atualidade, utilitários. Vivemos hoje a utilitarização da vida. O mundo do
consumo nos apresenta, não apenas o produto final que sai das fábricas, mas o
consumo das relações entre as pessoas, o consumo dos recursos naturais, o
consumo da força de outras pessoas em prol, simplesmente, do desenvolvimento do
valor utilitário. Diante disso, nega-se o humano e valoriza-se a utilidade (no
sentido de instrumento, objeto) do humano.
Essa visão se estende até o jeito o qual
concebemos nossa vida, e o veículo de nossa vida, não é senão, nosso corpo em
conjunto com nossa mente. Mas uma mente que só recebe e não busca
conscientizar-se, em conjunto com o seu corpo, e apenas segue vivendo através
do utilitarismo, não é uma mente, é apenas mais um produto do mundo do consumo.
Observem bem, e vocês perceberão que o maior truque para a mercantilização da
vida é justamente a negação do humano. Pode parecer paradoxal, mas “negar algo”
é mais efetivo do que “falar mal de algo”. Se você “fala mal de algo”, as
pessoas que são a favor disso que é criticado criam mais resistência; se você
“nega algo”, simplesmente se aniquila qualquer possibilidade de discussão, e as
gerações seguintes facilmente se rendem, pois não encontram resistência. O
mundo do consumo é o mundo da negação do humano, pois consome a vida, e a
própria VISÃO DE MUNDO de uma MENTE CONSUMISTA e UTILITÁRIA é o CONSUMO DA
VIDA, pois tudo se apresenta para ela como algo a ter um valor de utilização,
inclusive ela própria. Não há aí, reflexão, há apenas, um corpo separado de uma
mente. Pois a reflexão é negada. Que sistema iria conceder aos seus
participantes a semente para a destruição do próprio sistema? O triunfo de
separar mente do corpo e não permitir a reflexão, só foi alcançado pela negação
da reflexão. Liguem as televisões ou se antenem com qualquer meio de
comunicação ou sinta isso nos discursos nas ruas, é tudo muito “simples”, o
apelo dos discursos hoje em dia é para a “simplicidade”, o imediatismo, você
“quase que não precisa pensar”, ou então “pensar só traz aborrecimento”, ou
ainda “não perca tempo pensando”, etc.
Com todas essas mazelas, acabamos por
apenas nos padronizar a esse estilo de vida, pois foi para isso que fomos
educados (difícil hoje em dia, encontrar algum círculo em nossa sociedade que
não represente esse tipo de pensamento, que não reproduzam seus aspectos). Padronizam-se
CORPOS, separam-se as MENTES, negam-se REFLEXÕES, CONSCIENTIZAÇÕES.
Totalmente oposto a essa ideologia, o
Taiji Quan nos proporciona uma constante REFLEXÃO, unindo CORPO e MENTE,
através da busca da conscientização não apenas do próprio ser em si, mas também
dele com os outros, e dele com o meio em qual vive. Isso porque o Taiji Quan
possui toda uma complexa rede simbólica que teve origem no pensamento chinês e
na filosofia Taoista, que por meio de vivências HOLISTAS visa desenvolver o SER
HUMANO INTEGRAL, e buscar a essência do HUMANO, através dos vários aspectos que
o compõe: social, espiritual, corporal, psicológico, etc.
Diante disso, fica fácil perceber o
porquê de tanta dificuldade em aprender o Taiji Quan, pois além de pertencer
a todo um conjunto de práticas corporais de outra cultura, ela vem carregada de
outros símbolos, (principalmente quando se trata de um aspecto que nossa
sociedade fez questão de retirar quase que totalmente de nossas práticas no dia
a dia: uma prática corporal que sirva para todas as idades e que una mente,
corpo e a transformação da cultura enquanto prática humana) que nos são
estranhos. Logo, para quebrar essa trava que nós temos em lidar com o corpo, é
muito difícil, seja pela ausência desse tipo de rotina em nossas vidas, seja
por esse tipo de socialização da qual somos vítimas e que nega o acesso ao
nosso próprio corpo (NÃO APRENDEMOS A NOS SENTIR!).
Fora o simples ato de nos tocar (como no
caso da Auto Massagem), o Taiji Quan traz uma série de conceitos muito
complexos que nos força a uma reflexão muito profunda do nosso ego, ao qual
estamos totalmente apegados (somos consumistas dele, ele nos tem um valor
utilitário, instrumental, que por mais que nos padronize, nos faz sentir como
um instrumento que serve para “alguma coisa” em nossa sociedade). Esse chamado
para vivenciar o CORPO, e REFLETIR sobre ele, para a maioria é muito pesado,
doloroso e muitas vezes INÚTIL. Isso porque o Taiji Quan (para além de seus
aspectos marciais) prioriza algo que nós não estamos muito afetos a lidar: o
lado “invisível” da vida (coloco entre parênteses, pois esse invisível tem
influências visíveis absurdamente perceptíveis ao olho nú...seria mais aspecto,
que lado). Nossa sociedade concebe o ser humano como algo muito ligado ao
material (Yang), movido por coisas que chamem a atenção dos sentidos; e como a
prática do Taiji Quan da ênfase ao caráter invisível (Yin), como o apego do
ao ego, costumes socialmente impostos que não ajudam ao bem coletivo, energias
que envolvem a natureza e o ser humano, as diversas redes de poder existentes
em nossa sociedade e como devemos nos portar para sermos mais igualitários,
muitos acham que ele não tem utilidade prática, real, material. Os que acham
isso, só o fazem pois realmente estão muito apegados a essa lógica
mercadológica do mundo, onde tudo e todos são produtos, e não demoram muito em
tentar “consumir” a prática do Taiji Quan: tentam entender os movimentos por
uma lógica segregada, enfatizam o aspecto fitness (ou seja o corpo), praticam
como se comprassem um produto, um serviço. Praticar o Taiji Quan desse jeito
não é Praticá-lo de fato, é simplesmente reproduzir a lógica que a filosofia
Taoista tanto combate.
O mais interessante é que o Taiji Quan,
se considerarmos a construção dos templos em Wudang, tem mais ou menos uns 800
anos, porém se considerarmos a filosofia Taoista que dá base ao Taiji Quan,
veremos que ela possui mais de 3 mil anos, se não me engano mais de 4 mil anos
cientificamente comprovados pela historiografia. Porém concentremo-nos no Dao De Jing de Lao Zi que tem mais ou menos 2400 anos, nele o Mestre (no Poema
20) já chama a atenção para não cair no erro do individualismo, do apego à
práticas sem antes refletirmos sobre elas, ou buscarmos compreender as coisas
por apenas um aspecto em detrimento de outro (como a separação entre corpo e
mente). Ou seja, o desafio contra uma visão utilitária do mundo tem mais de
2400 anos...como vencer essa batalha na atualidade, se sua energia já vem sendo
gerada há mais de 2400 anos? É muita energia.
Os que não procuram romper com essa
lógica de padronização do CORPO e da MENTE para atender a certos requisitos
individualistas apregoados por nossa cultura torta e perversa, são arrastados por
esse emaranhado de energia. Os que querem rompê-la, precisam praticar todos os
dias a união do CORPO, da MENTE e da REFLEXÃO, ou todos os outros elementos que
a simbolize, CÉU e TERRA, YIN e YANG, etc. E por isso mesmo a prática da
meditação e dos exercícios corporais que compõem o Taiji Quan tem que ser
contínuos e diários.
Logo, como a ênfase no corpo e a
exclusão da reflexividade marca nossa sociedade nos dias atuais, o Taiji Quan, enquanto prática corporal nos propicia uma vivência que busca unir,
corpo, mente e reflexão, devolvendo a nós nossa capacidade de ATUARMOS no mundo
de maneira realmente humana.
chega a ser irônico como este nosso cotidiano cheio de objetivos vazios criam o fazer do não fazer! de tudo o que fazemos nada é verdadeiramente para nos nem para o outro, fazemos coisas que servem para as outras coisas e para não nos sentirmos tão perdidos, nos tornamos coisas também, inconscientemente é claro! uma vez que o senhor SOBERANO SISTEMA não nos "trouxe ao mundo para pensar" e sim para nos conformar com o nosso destino de servir ao dinheiro e aos que desenham ele, e morrer com o mais plácido dos sentimentos de dever cumprido! (jacilene Borba)
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